A poucos dias do início das aulas no ensino geral em Angola, milhares de pais e encarregados de educação ainda tentam conseguir uma vaga nas escolas públicas, que chegam a ser “negociadas”, ilegalmente, acima de 40.000 kwanzas (175 euros).
Com cerca de 10 milhões de estudantes previstos para o novo ano lectivo no ensino geral, que arranca em Fevereiro, as autoridades angolanas admitem a falta de salas e de professores deverá voltar a afastar vários milhares de alunos do ensino público.
A situação, que se sente em todo o país, está a levar à cobrança ilegal, em algumas escolas, pelas poucas vagas disponíveis, como confirmaram alguns encarregados de educação, que em entrevista à Lusa.
Luzia Segundo, de 32 anos, conta que até fez a inscrição e matrícula para a filha, que vai fazer a 10.ª classe, mas a mesma não foi seleccionada pela escola, em Luanda, devido à falta de vagas.
“Fomos fazer a inscrição no meio de muita enchente nas escolas por onde passamos, mas o nome não saiu. Hoje ainda regressei à escola, porque fui informada que tinham sido publicadas mais listas, mas eram apenas dos alunos solicitados pelo Ministério do Interior”, disse.
Perante a situação, Luzia Segundo admite que chegou a manter contacto “informal” com um dos professores, para encontrar uma vaga na escola pública para a filha, neste ano lectivo.
“Estou desempregada e vai ficar mesmo difícil pagar os tais valores. O professor falou-me entre 60.000 e 50.000 kwanzas [entre 215 a 250 euros] e não tenho como pagar, vamos ver se poderá aparecer alguém que queira receber o dinheiro em prestações para então fazermos a matrícula”, adiantou.
Apesar de ilegal, dada a gratuitidade do ensino público até ao secundário, o pagamento da chamada “gasosa” para garantir a matrícula vulgarizou-se nos últimos anos em Angola, em face da falta de vaga nas escolas.
Lamentando a situação, esta mãe mantém a esperança em ver a filha ir para escola ainda no presente ano escolar e não atrasar o ano: “A situação preocupa-me porque a menina aprovou para a 10.ª classe. E ficar uma criança em casa sem estudar é muito complicado”.
Sem condições para a colocar num colégio privado, Luzia Segundo diz-se preocupada com o futuro da filha, restando ter “fé” em poder encontrar uma vaga.
Por sua vez, Alberto Moreira, de 37 anos, também relatou que não conseguiu matricular a sobrinha, que este ano deve fazer a 10.ª classe, explicando que até agora continua “na luta por uma vaga”, denunciando igualmente “cobranças ilegais” pelas escolas por onde passou.
“Algumas instituições estão a pedir valores exorbitantes e é muito complicado, entre 40.000 e 50.000 kwanzas [175 a 215 euros]. Isso é muito triste”, referiu.
Acrescentou que encontrou a falta de vagas pelas várias escolas de Luanda por onde passou nos últimos dias.
“Se não tivermos forma de resolver esse problema, é complicado. Do meu ponto de vista a solução para a carência de vagas passa pela construção de mais escolas”, sublinhou, lamentando que sejam os próprios professores a pedirem “gasosa” para receberem matrículas.
“Sei sim que essa cobrança é ilegal, mas está a complicar muita gente. Há muitos alunos que vão ficar esse ano sem estudar”, desabafou.
O Sindicato dos Professores Angolanos (Sinprof) admitiu anteriormente que vários milhares de alunos deverão ficar este ano fora do sistema de ensino, porque o crescimento do número de alunos não foi acompanhado do crescimento da infra-estrutura de ensino.
Recorde-se que algumas dezenas de estudantes marcharam sexta-feira, em Luanda, para contestar a chamada “gasosa” escolar, apelando às autoridades no sentido de travarem a onda de corrupção.
Na marcha “contra a gasosa escolar”, que teve como ponto de partida no largo do cemitério da Santa Ana, em Luanda, os estudantes participaram trajados, na sua maioria de bata branca, manifestando ainda o descontentamento com a falta de vagas e salas de aula.
“Também sou cidadão, quero educação, abaixo a gasosa” ou “Queremos estudar, queremos sal na gasosa”, eram algumas palavras de ordem inscritas nos cartazes que exibiram durante o percurso no centro de Luanda, que chegou a levar à presença, no local, de agentes da Polícia.
“Somos angolanos e todos merecemos a educação, mas na prática vê-se que apenas uma minoria tem acesso”, contou o estudante Cristo Diampanga, que participou na marcha.
Recordando mesmo a legislação angolana, que consagra o acesso gratuito ao ensino geral, este estudante de 26 anos faz alusão sobre a gratuitidade do acesso ao ensino: “A educação em Angola é grátis, e aliás o Presidente da República fez menção a tal facto, mas hoje vê-se tantas escolas a cobrarem, algumas escolas exigem que se pague algum valor, outras até simularam o cenário grátis, mas apenas durou um dia”.
Quem também se juntou à marcha foi o estudante Graciano Domingos, de 22 anos, afirmando estar solidário com “milhares de jovens que pelo país estão fora do sistema de ensino”, recordando que “muitas localidades continuam sem escolas”.
“Nós queremos ajudar o Governo a acabar com essa prática da gasosa, não estamos aqui para fazer confusão ou tentar qualquer perturbação, queremos apelar apenas ao Governo, porque a gasosa está a mutilar a juventude, que é a força motriz da sociedade”, sublinhou.
Folha 8 com Lusa